quinta-feira, 4 de julho de 2013

A igreja e sociedade em decadência


Pompeia foi uma cidade do antigo Império Romano, localizada nas proximidades de Nápoles. O que torna Pompeia interessante em nossa breve análise sobre a decadência moral da igreja e da sociedade atual é o estilo de vida adotados pelos moradores da cidade. O filósofo Francis Schaeffer escreveu que: “À medida que o Império (romano) ficava em ruínas, os decadentes romanos se entregavam a sua sede pela violência e satisfação de seus sentidos. Isso fica especificamente evidente pela sua sexualidade exacerbada. Em Pompeia, por exemplo, aproximadamente um século depois de a República ter se tornado coisa do passado, o culto ao falo era prática comum. Estátuas e pinturas de exagerado conteúdo sexual decoravam as casas dos mais influentes. Nem toda arte de Pompeia era assim, mas as representações sexuais eram desavergonhadamente gritantes.”[1] O Museu Nacional de Arqueologia de Nápoles guarda obras eróticas capazes de envergonhar até mesmo os mais liberais dos nossos dias.

A decadência moral de uma civilização é um dos últimos sinais que evidenciam que todos os demais valores daquela sociedade já foram derrubados. Foi assim com praticamente todas as civilizações históricas e assim continua sendo em nossos dias. Quando a sociedade se entrega desenfreadamente às suas paixões carnais, e a busca pela satisfação dos sentidos, sua queda está próxima. Francis Schaeffer diz mais sobre a Roma antiga: “Roma não caiu devido a alguma força externa, tal como a invasão dos bárbaros. Roma não tinha suficiente base interna; os bárbaros só deram o empurrão final para o colapso – e gradualmente Roma tornou-se ruínas.”[2] A desmoralização de uma sociedade é o sinal de que suas bases estruturais já foram derrubadas e que sua queda completa é apenas uma questão de tempo.

No entanto, a imoralidade de Pompeia e do Império Romano não estavam restritos à sexualidade, mas também envolviam a justiça social. Quanto mais a economia romana decaia, o fardo da inflação e impostos crescia sobre o povo. O trabalho escravo conseguiu cada vez mais força e as liberdades individuais foram cada vez mais enfraquecidas.

É curioso observar o fim histórico de Pompeia, a cidade foi destruída durante uma grande erupção do vulcão Vesúvio (79 d.C.), cuja as cinzas cobriram completamente a cidade, que só foi reencontrada em 1748. O fim foi basicamente o mesmo experimentado por Sodoma e Gomorra, narrado em Gênesis 19. E tal como Pompeia e Roma, os pecados de Sodoma e Gomorra iam além do meramente sexual, veja o que escreveu o profeta Ezequiel: “Eis que esta foi a iniqüidade de Sodoma, tua irmã: Soberba, fartura de pão, e abundância de ociosidade teve ela e suas filhas; mas nunca fortaleceu a mão do pobre e do necessitado.” (Ez 16:49).

Durante a decadência moral do Império Romano, a princípio a igreja resistiu às tentações com grande bravura, fazendo com que milhares de cristãos fossem mortos das formas mais terríveis e até mesmo passando as suas mortes a serem usadas como espetáculos para entretenimento do povo, e muitas vezes seus corpos em chama foram utilizados como tochas para iluminação públicas das cidades.

No entanto, logo a igreja cedeu aos encantos da ganância e da imoralidade. Com o reconhecimento da igreja como religião oficial do Estado Romano, esta enfraqueceu moralmente diante dos privilégios e favores do estado, e tornou-se o centro da disputa pelo poder político e religioso dos reis e líderes cristãos. Em sua arrogância tornou-se voltada apenas para si mesma, esqueceu-se da santidade e da justiça social e tornou-se intolerante.

O historiador Earle E. Cairns escreveu: “Infelizmente a Igreja ganhou em poder, mas se tornou arrogante perseguidora do paganismo do mesmo modo que as autoridades religiosas pagãs tinham agido em relação aos cristãos. Parece que no balanço final, a aproximação entre a Igreja e Estado trouxe mais malefícios do que bênçãos à Igreja Cristã.”[3] Dentro da igreja o caos era imenso, desde heresias das mais diversas, toda sorte de imoralidade sexual, abuso do poder e dos bens da igreja, negligência para com os pobres e injustiçados e uma incansável disputa pelo poder. A espiritualidade, outrora presente na vida dos cristãos primitivos, havia desaparecido do meio da igreja naqueles dias. Era extremamente difícil encontrar um só soberano, legislador, ou qualquer autoridade temporal ou religiosa que não fosse um herege ou um pagão. O que observamos na história é que a igreja deixou de exercer seu papel profético e passou a ser profundamente influenciada pelo paganismo, não só no estilo de vida imoral, na corrupção, na falsidade religiosa, e, até mesmo a liturgia da igreja sofreu os efeitos desta queda terrível.

No decorrer da história Deus interveio e preservou para si um povo que buscou não se contaminar e através dos séculos podemos identificar vários momentos de despertamento e avivamento na igreja, e a Reforma Protestante foi sem dúvida o mais importante despertamento da igreja desde Atos dos Apóstolos, fazendo com que a igreja voltasse à valores outrora esquecidos e acima de tudo a enfatizar a autoridade das Sagradas Escrituras. Na Reforma vemos alguns elementos de fundamental importância na história, não só da igreja, mas de toda sociedade: [1] Mudanças radicais que afetaram todas as áreas da vida de muitos países europeus, e também na formação de outros países como Estados Unidos da América, Austrália e Nova Zelândia. [2] Efeitos profundos na cosmovisão moderna das leis e práticas políticas dos países reformados. [3] Efeitos significativos na literatura, língua e educação dos países reformados. A língua alemã, por exemplo, teve seu estabelecimento como fruto dos trabalhos de tradução realizados por Martinho Lutero. [4] Efeitos nos campos da ciência, se não fosse a Reforma Protestante, que encorajou e serviu de plataforma de incentivo para novas pesquisas, estaríamos muito atrasados no que diz respeito a ciência, visto que toda pesquisa cientifica anterior a reforma deveria ser aprovada e controlada pela igreja. [5] A Reforma Protestante estabeleceu os direitos e obrigações da consciência individual. Se hoje existe alguma forma chamada “liberdade de expressão e consciência”, ela é resultado do trabalho dos reformadores.

No entanto, mesmo diante de todas as conquistas da Reforma Protestante, tanto a sociedade como a igreja embarcaram num retrocesso social, religioso e político lamentável. A imoralidade sexual, a injustiça social, as aberrações teológicas, os abusos do poder e dos recursos da sociedade e da igreja se aproximam daquilo que foi vivenciado em toda Roma antiga.

Nosso sistema político encontra-se fragilizado e nossa tão querida democracia parece não produzir mais os benefícios esperados em uma sociedade igualitária. E para piorar a situação, os políticos cristãos que se elegem à custas da igreja, numa proposta de redimirem com sua conduta e fé o sistema político, mostram-se tão corrompidos como os demais políticos, e lamentavelmente, em alguns casos até piores. Os escândalos envolvendo políticos vão além da corrupção do poder e financeira, mas até mesmo da imoralidade sexual, basta conferir nos jornais. O sistema social encontra-se num estado deplorável, onde o rico continua cada vez mais rico e o pobre cada vez mais pobre. É impressionante que em pleno o século XXI a escravidão volte a ser tema de preocupação em praticamente todo o mundo.

Desejo concluir este texto com uma breve avaliação sobre a igreja nestes dias de decadência. Nunca vivemos tão aquém do ideal de Deus para a sua igreja, onde substituímos nossa missão de ser luz através da pregação das Escrituras Sagradas, de uma ação prática que demonstra o amor de Deus para com povos do mundo e uma vida santa que se afasta e denuncia toda sorte de pecado moral, social e injustiças contra os mais fracos. A igreja substituiu este ideal de Deus por uma postura megalomaníaca de construção de templos cada vez maiores, de ajuntamento de massas, de shows, de busca por riqueza e bens terrenos e por uma vida cada vez mais luxuosa. Veja o que escreveu o filósofo francês Gilles Lipovetsky sobre a espiritualidade destes dias: “Já nem a religião constitui um contrapoder face ao avanço do poder do consumo-mundo. Ao contrário do que se verificava no passado, a Igreja já não privilegia as noções de pecado mortal, já não exalta o sacrifício ou a renúncia. [...] De uma religião centrada na salvação no Além, o cristianismo passou a ser uma religião ao serviço da felicidade terrena, colocando a ênfase nos valores da solidariedade e do amor, na harmonia, na paz interior, na realização total da pessoa.”[4]

É lamentável que nossos dias tenhamos que presenciar dentro das igrejas ditas evangélicas aqueles pecados duramente combatidos pelo reformadores. A decadência moral atingiu não apenas os crentes comuns, mas a sua liderança, e até mesmo a sua liturgia. Lipovetsky escreveu ainda: “A espiritualidade tornou-se mercado de massas, produto a comercializar, sector a gerir e promover.”[5] O que define a bênção de um culto, nesta espiritualidade doentia, é a presença de figuras de renome e a centralização das necessidades materiais, sociais e emocionais dos indivíduos presentes. Não é incomum os cânticos humanistas que só falam do homem e daquilo que espera como favor divino. Deus deixou de ser o centro do culto cristão e passou a ser um servo ao serviço das realizações dos caprichos dos seus adoradores. As músicas também tomaram uma vertente erotizada, onde a beleza do divino já não é algo a ser apreciado, adorado e temido, mas algo cada vez mais vulgarizado, através das palavras como beijar, abraçar, sentar no colo, tocar a face, entre outras. Numa adoração não só extra-bíblica mais anti-bíblica. Observamos, por exemplo, que quando Isaías viu a glória de Deus, ele a disse que viu o “[...] Senhor assentado sobre um alto e sublime trono [...]” (Is 6:1). Não consigo imaginar Isaías querendo tocar a Deus ou sentar-se no seu colo, ou qualquer coisa semelhante. Sua atitude foi uma atitude de alguém que reconheceu que precisava da misericórdia do Senhor, pois disse: “[...] Ai de mim! Pois estou perdido [...]” (Is 6:5). Já em Apocalipse vemos João, o discípulo do amor, aquele que havia deitado sua cabeça sobre o peito de Jesus (Jo 13:23), agora, ao vê-lo glorificado exclamou: “E eu, quando vi, caí a seus pés como morto [...]” (Ap 1:17). E ainda poderíamos recorrer a todos os Salmos e cânticos do Apocalipse e compará-los com o que se canta hoje, para concluirmos que estamos de fato experimentando a erotização da hinologia cristã. O que observamos na hinologia cristã é o mesmo fenômeno que observamos nas músicas seculares, cada vez mais sensuais. Observe que em Pompeia a arte plástica era a mais expressiva forma de arte daqueles dias, e por isto foi profundamente afetada pela imoralidade, semelhantemente, nos dias atuais, a música é sem dúvida a arte mais expressiva, e por isto tão carregada de sensualidade. O ponto importante a observar é que damos sinais sérios de decadência artística dentro e fora da igreja.

É importante observar também que Jesus nos alertou sobre a gravidade dos últimos dias, veja o que disse: “[...] Quando porém vier o Filho do homem, porventura achará fé na terra?” (Lc 18:8). Os pregadores da fé e da prosperidade, que são justamente aqueles que engordam as custas da igreja, pregam o contrário de Jesus, no entanto a realidade é esta, os últimos dias serão marcados por escassez de fé. O mesmo disse Paulo: “Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, tendo comichão nos ouvidos, amontoarão para si doutores conforme as suas próprias concupiscências; E desviarão os ouvidos da verdade, voltando às fábulas.” (2 Tm 4:3-4). O tempo da escassez da fé genuína e dos ouvidos voltados às fabulas já chegou, veja o que disse Lipovetsky: “Hoje, até a espiritualidade funciona em livre-serviço, na expressão das emoções e dos sentimentos, na procura resultante da preocupação com o melhor-estar pessoal [...]”.[6]

Acredito que se desejamos que algo mude, precisamos nos voltar para Deus com um coração sincero, e dizer como disse Calvino: “Cor meum tibi offero domine prompte et sincere.” (O meu coração te ofereço, ó Senhor, de modo pronto e sincero). É preciso a semelhança dos reformadores restaurar os valores cristãos, e os Cinco Solas (Sola Fide/Somente a Fé; Sola Scriptura/Somente a Escritura; Solus Christus/Somente Cristo; Sola Gratia/Somente a Graça; Soli Deo Glória/Glória Somente a Deus), que são sem dúvida um bom início para a reforma que tanto precisamos hoje na igreja, e da igreja para a sociedade.

Rev. Luis A R Branco              Fonte:http://verdadenapratica.wordpress.com/

Em Cristo,
Mário



Citações:

[1] SCHAEFFER, Francis. Como Viveremos: Uma analise das características de nossa época em busca de soluções para os problemas desta virada de milênio. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003, pág. 17.

[2] Idem, pág. 18.

[3] CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos: Uma História da Igreja Cristã. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1990, pág. 101.

[4] LIPOVETSKY, Gilles. A Felicidade Paradoxal: Ensaio Sobre a Sociedade do Hiperconsumo. Lisboa: Edições 70, pág. 111-112.

[5] Idem, pág. 112.

[6] Ibidem, pág. 113.

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