segunda-feira, 25 de novembro de 2013

USUÁRIOS DE “ADORAÇÃO”



Por Andrew McAlister

Alguns crentes são tão friamente intelectuais que se questiona serem eles mamíferos de sangue quente, para não dizer seres humanos, ao passo que outros são tão emocionais que se deseja saber se são possuidores de uma porção mínima de massa cinzenta. Eu me sinto constrangido a dizer que o mais perigoso dos dois extremos é o anti-intelectualismo e depois a entrega ao emocionalismo.

John Stott, Cristianismo equilibrado

O assunto de louvor e adoração é sempre polêmico de se abordar. Por um lado, temos uma ala tradicional que quer, a todo custo, tirar toda a emoção da adoração. Do outro, há uma certa cultivação de um desespero e uma busca desenfreada por Deus, que vem acompanhada de uma avalanche de emoções. A resposta para tal questão é uma busca constante por equilíbrio, o entendimento do papel de cada faculdade humana no relacionamento com Deus. Hoje, porém, quero abordar o perigo do lado emocional.

Antes de mais nada, por favor entenda o seguinte, pois sei que estou pisando em campo minado: não escrevo a fim de me intrometer na vida de quem quer que seja. Você tem total direito de discordar dos meus pensamentos e em nenhum momento quero que minhas palavras sejam usadas para criar uma norma. Não quero reprimir ninguém nem apontar o dedo. Porém, reconheço que os pensamentos que trago confrontam a prática de alguns. Se você estiver em paz com a sua vida espiritual após discordar do que escrevi, glória a Deus por isso. Escrevo para cutucar (levemente) aqueles que possam estar enveredando por um caminho perigoso sem saberem. A única coisa que desejo verdadeira e explicitamente interromper é uma vida espiritual ignorante e preguiçosa. Se esse não for o seu caso, glória a Deus pela sua vida!

Confissões de um ex-viciado em adoração

Me deparei, recentemente, com o relato de um jovem que descreveu um vício. Ele narra o seu processo de “libertação”, por assim dizer, de ministérios de louvor. Recomendo a leitura do artigo, que você pode conferir aqui. Já estamos cansados de bater no “louvor show” e no mercado gospel. Não farei isso. O que me intrigou no texto citado foi a seguinte afirmação:

Eu queria mais daquilo, eu queria “experimentar” a presença de Deus. Foi aí que descobri a indústria Gospel (…) Assim como hoje, meu coração possuía um forte desejo de ser missionário, de influenciar a sociedade com o Evangelho e mudar o mundo! Foi exatamente isso que encontrei (…). Só que isso nunca era suficiente para mim. Sempre queria mais e foi aí que a “adoração” se tornou um vício para mim. Eu baixava um novo CD (…) de “adoração” praticamente todo dia. Nesse período eu nunca deixei de ler a Bíblia, mas ainda assim não conseguia enxergar o meu erro. Necessitava diariamente de um novo hit, de uma nova canção de adoração para “experimentar” a presença de Deus, mas quanto mais eu buscava a Deus dessa forma mais eu me distanciava d’Ele.”

Muitas vezes, os consumidores vorazes de CDs e DVDs de adoração o fazem para preencher uma lacuna em suas vidas. Em vários casos, há um desejo por Deus que raramente repercuti no resto da vida da pessoa. Ela sabe todas as letras de cor, mas não consegue enxergar uma vida de adoração longe das músicas.

Lembro-me de um episódio de um conhecido que pegou carona com uma senhora da igreja. Ela estava ouvindo um CD de adoração no carro. A senhora o perguntou que ministérios ouvia, ao qual ele respondeu que não costumava ouvir músicas de adoração e que preferia música clássica, entre outros gêneros. Ela ficou espantada com a afirmação e perguntou como que ele podia passar tanto tempo entre um culto e outro sem “adorar” a Deus. Ele, sem graça, não resistiu e respondeu: “Bem, se Jesus voltar de segunda a sábado, então eu acho que vou para o inferno.”

Tanto na confissão quanto no episódio citado, o que me intrigou foi o conceito restrito de ambos sobre a adoração. No caso do ex-viciado, ele nunca deixou de ler sua Bíblia, mas mesmo assim estava errado. Não podemos simplesmente afirmar que ele rejeitava a Palavra de Deus. O que espanta é uma cegueira genuína, uma busca sincera (porém errada) por Deus.

“Mestre, é bom estarmos aqui…” […] (Ele não sabia o que estava dizendo.)

Quando Jesus subiu ao monte para orar acompanhado de Pedro, João e Tiago, seu rosto e suas vestes se transformaram. No relato da Transfiguração (Mt 17.1-8; Mc 9.2-8; Lc 9.28-36), Jesus começa a conversar com Elias e Moisés. Perante aquele momento ímpar e (sem dúvida) indescritivelmente incrível, Pedro faz a seguinte afirmação: “Mestre, é bom estarmos aqui. Façamos três tendas: uma para ti, uma para Moisés e uma para Elias”. (Lc 9.33) Será que Pedro estava sendo egoísta ao fazer tal afirmação? De maneira alguma! Afinal, segundo alguns comentaristas bíblicos, ele estava contemplando Jesus já em sua forma divina! Quem não gostaria de estar perante o Cristo já em sua forma final? Caso estivéssemos nesse lugar, por que razão sair dalí? O que seria mais importante que estar na presença do Filho?

Bem… a resposta à boa intenção de Pedro é o mais interessante. Jesus não o repreende como em outros relatos. Em vez disso, uma nuvem envolve os três apóstolos (fato que os aterrorizou) e Deus diz: “Este é o meu Filho, o Escolhido; ouçam a ele!”. (Lc 9.35) O que aconteceu ali? O acontecimento serviu para confirmar o testemunho da Lei (Moisés) e dos profetas (Elias) de que Jesus era o Messias. Por mais que o desejo de Pedro de estar ali naquele ambiente muito bom e prazeroso, o intuito de Deus naquilo era outro. Tanto que, em seguida, Jesus desce do monte com os três e se depara com um jovem possesso. De acordo com o comentário do Pr. Russell Shedd a respeito desse texto, “a sequencia da transfiguração e depois a cura do jovem ensinam a necessidade do serviço suceder ao culto. Apenas a permanência no monte do êxtase, sem tentar melhorar a vida dos outros no vale, ou vice-versa, resultam na falta de poder.”

O que tirar disso?

Por mais bem intencionado que Pedro estava, isso não justificou o seu erro. Ele não entendeu o objetivo daquele evento. Paralelamente, imagino que o ex-viciado também tinha a melhor das intenções! Porém ele, assim como Pedro, estava errado. Mas então… seria errado buscar uma vida de contemplação contínua de Cristo? Qual é o problema de se buscar a Deus acima de qualquer outra coisa? Afinal, não há nada mais importante. Certamente. Mas será que ao focarmos demais nessa busca, na experiência da presença de Deus, não estaríamos o fazendo apenas pelo prazer que isso produz em nós? Será que, inversamente, queremos a “presença Dele” somente pelo que isso produz… em nós? Então, a motivação da busca Dele é focada apenas no nosso prazer. Por mais genuíno, lícito e bem intencionado que seja, podemos buscar Deus “apaixonadamente” de maneira completamente equivocada e focada em nós. É uma armadilha sutil, e é por isso que quis abordá-la. Mas não se preocupe, como todo pecado que nos afasta de um real relacionamento com Deus, esse também não é novidade na história.

Misticismo e espiritualidade medieval

Em seu texto Sobre Espiritualidade, Místicos e Neoliberais, o Rev. Augustus Nicodemus descreve um movimento místico medieval que era focado justamente na busca e contemplação irrestrita de Deus. Ele diz:

“Sei que alguns místicos citavam a Bíblia, mas vai uma distância muito grande entre fazer isso e desenvolver uma espiritualidade que seja decorrente da teologia bíblica. A piedade ascética certamente não era moldada pelas Escrituras, a começar pelos votos de abstinência, a auto-flagelação, o isolamento social e uma vida dedicada à contemplação. Para não falar na busca de Deus de forma direta. A mística medieval, com raras e notáveis exceções, é voltada para a experiência interior, para a busca do êxtase, do mistério, de uma comunhão com Deus que não tenha troca de conteúdos, onde o homem não fala teologicamente e Deus também não responde teologicamente.”

Creio que a descrição na segunda parte da citação (grifada por mim) descreve bem até demais a busca de muitos hoje que correm insaciavelmente atrás da “experiência de adoração”.

Estádios lotados e corações vazios

Ao ir a cada evento, a cada culto e ao reproduzir os CDs durante a semana, nós queremos cultivar e de alguma maneira manter aquele “clima gostoso” da adoração. As frases repetidas, as mãos levantadas, a sensação de gritar a plenos pulmões até o ar fugir de nós, o choro, o balanço do corpo de lá para cá ou se ajoelhar e “se prostrar” no chão, o salão à meia luz, o riff de guitarra suave ao fundo… Não queremos perder aquilo. Mas o que talvez seja o aspecto mais assombroso de tudo isso é o fato de que nenhuma adoração parece satisfazer plenamente. É gravação de DVD após CD após evento após “festival de louvor” após “cultaço”… e nunca alcançam o que procuram. Continuam “desesperados de amor” por Cristo, mas parecem nunca encontrá-lo. Agostinho de Hipona disse:

“Fizeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti.”

Se fomos criados para Ele e não encontramos descanso em nenhuma adoração, a conclusão lógica é a de que Deus não está na adoração. A adoração não é um fim em si mesmo, é apenas um dos meios pelos quais nos aproximamos de Deus. Assim como na transfiguração, cabe a nós entendermos o real propósito da adoração e o seu lugar no plano maior da nossa vida com Cristo. Não é a toa que nenhuma experiência de louvor é suficiente, pois Deus não está no louvor. Este é apenas um meio e não um fim.

Enquanto isso, podemos acusar o mercado gospel o quanto quisermos. Podemos apontar para os “mercenários e vendilhões” do templo. Mas a verdade é que eles existem para atender uma demanda que não vem deles. Eles existem porque há uma multidão que busca cultuar o seu prazer, apenas, e não a Deus. E nós cristãos lotamos qualquer praça, auditório, estádio ou casa de shows em busca de nós mesmos.

Voltando ao texto de Stott, temos que constantemente buscar o equilíbrio na vida cristã. A nossa busca será constante, pois não somos capazes de nós mesmos o pecado. Só Cristo pode o fazer. Enquanto vivermos essa vida, seremos escravos não da consequência do pecado, mas da sua influência.

Que Deus nos ajude a perseverar numa peregrinação equilibrada ao cumprirmos o maior mandamento:

Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento. (Mateus 22.37)
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Fonte: O blog do Andrew. Fonte: Púlpito Cristão.
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Em Cristo,
Mário

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